sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Onde chega o DVD pirata

Populares pelo baixo preço, os DVDs piratas de filmes e jogos são altamente lucrativos, visto que o custo é basicamente só o de comprar o disco virgem e copiar. No Brasil, temos o caso recente do filme Tropa de Elite, que virou um sucesso antes de ir parar no cinema. A Época fez as contas:

    Pelo menos 5 mil cópias ilegais são vendidas diariamente apenas no Rio. A Delegacia de Proteção aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial apreende cerca de 200 cópias por dia só na capital fluminense. “Eu vendo dez por dia, mas já vendi até 50, logo que chegou. Filme nacional não vende tanto, mas esse foi muito bem”, diz um camelô que cobra R$ 10 a cópia. Na internet, os números também impressionam. Na quinta-feira, 728 internautas baixavam o filme nos quatro principais sites de downloads ilegais. Há 76 mil sites oferecendo o filme. Multiplicando-se essa “numeralha” por 60 dias, chega-se ao seguinte: 43 mil cópias baixadas da rede de apenas quatro sites; 300 mil DVDs vendidos só no Rio de Janeiro. O filme também rendeu duas “continuações” piratas. Tropa de Elite 2 é, na verdade, o documentário Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles. Tropa de Elite 3 é uma produção pirata com uma colagem de imagens de operações do Bope e tiroteios entre polícia e bandidos veiculadas em telejornais.

Se 300 mil DVDs foram vendidos a R$ 10 só no Rio de Janeiro, apenas lá arrecadou-se R$ 3 milhões com a venda do disco. Não sei se o cálculo leva em conta o arrecadado pelas "continuações". Em São Paulo, o filme também está à venda.

Para onde vai esse dinheiro todo? Uma reportagem investigativa da BBC dá algumas pistas. Ela se refere à cadeia produtiva inglesa, obviamente.

Lá, os DVDs piratas são copiados por imigrantes chineses ilegais que trabalham em condições semelhantes às de escravidão - tal como os bolivianos das confecções de São Paulo que abastecem redes como a C&A, segundo CPI da Câmara Municipal. Na Inglaterra, um dos chineses acusados de contrafação de DVDs ouvidos pela BBC disse que entrou no negócio para pagar uma dívida que tinha com uma gangue de tráfico de seres humanos, que ele chama de "cabeças-de-cobra".

Esses criminosos estariam, por sua vez, ligados a um chinês chamado He Jia-Jin, ex-presidente da associação chinesa da Chinatown de Londres. Ele atualmente responde a processo por lavagem de dinheiro em Hong Kong. Em 1999, foi acusado na Grécia de comandar um esquema de contrabando de pessoas. Nega todas as acusações.

O jornalista Moisés Naím, no ótimo livro "Ilícito", traz alguns dados interessantes:

    * Desde o início dos anos 90, com diversas tecnologias ficando mais baratas, populares e integradas, o comércio de produtos falsificados cresceu 800%, segundo a Interpol;

    * Na Espanha, a produção e distribuição de 1kg de CDs e DVDs piratas rende cinco vezes mais do que a venda de 1kg de haxixe;

    * A Rússia exporta CDs piratas para 26 países;

    * O ator Dennis Hopper comprou certa vez, em Xangai, um DVD pirata de um filme em que atuou - com cenas que gravara dois dias antes;

    * Os suspeitos dos ataques a bomba em Madri, em 2004, financiavam sua operação com a venda de CDs piratas;

    * Há evidências de que gangues tradicionais do crime organizado, como as chinesas e russas, incorporaram o tráfico de pirataria cultural a seus negócios - seguindo as mesmas rotas do tráfico de drogas.

Ainda não assisti ao "Tropa de Elite" - vejo no sábado, e então comento. Soube no que li e ouvi a respeito que ele embute uma crítica aos usuários de drogas da classe média, que inadvertidamente usam seus hábitos químicos para financiar o tráfico.

O tráfico de drogas é sem dúvida a parte mais visível do iceberg da economia ilícita. É quase irônico que um filme que traz essa crítica tenha se popularizado em outro tipo de rede que potencialmente pode estar sendo usada financiar o crime organizado e o próprio tráfico de drogas.

Como ela funciona no Brasil? Eu não sei. Não lembro de ter lido nada a respeito. É claro que o camelô que vende DVD é um ferrado na vida - assim como o aviãozinho do tráfico. Não é ele que está ganhando a grana alta com isso. Essa venda mal e mal deve financiar seu orçamento doméstico. É preciso olhar o cara que fornece para ele, e o cara que fornece para este e o cara que financia tudo isso. Aí, no peixe grande, é que mora o perigo. A BBC achou o chinês lá. E no Brasil? Quem são os peixes grandes?

Vai ser difícil sair algo assim feito pela imprensa brasileira. A BBC destacou uma equipe pra investigar a questão por um ano. E a matéria ficou até meio fraquinha se considerarmos o tempo que levou e o peso da rede.

3 comentários:

Anônimo disse...

Faz alguns dias que li este texto e me faltou tempo para comentar. Sobre CD pirata, não tenho muito o que dizer, mas talvez a linha de raciocínio seja a mesma. Vi tropa de elite e essa história de culpar a classe média pela manutenção do tráfico é uma grande falácia. Acredito que o "sistema é o culpado": somente a regulamentação do uso e a comercialização fiscalizada, podem resolver o problema. Se a droga for vendida na farmácia ou entregue no posto médico, se as gravadoras fizerem um cd alternativo com capa barata, sem encarte e original, talvez sejam medidas mais efetivas de combate do tráfico, já que a repressão policial é apenas o outro lado da moeda. O mercado é soberano e se há mercado para produtos piratas, por que não legalizá-lo, com cobrança de impostos, e no caso das drogas, com a possibilidade de controle médico do seu uso? Debati o filme em sala de aula e vi a facilidade com que os alunos iam na conversa do "Nascimento". Dei para reflexão os exemplos de países que liberaram as drogas e deu certo, também da "lei seca" americana, e de sua contribuição para a "capitalização" da máfia, etc.

Marcelo disse...

Oi, Luiz. Eu concordo em parte com o argumento. Acho que onde houver demanda haverá oferta - legal ou ilegal, dependendo da forma de regulação do mercado. E é o dinheiro de quem quer que vai financiar quem oferece. Portanto, são de fato os usuários que financiam o tráfico - mas não só eles, visto que o tráfico usa outros negócios pra se capitalizar. Mas ao observar isso não dá pra deixar de se observar os fatores sistêmicos, que tu bem observaste.

Anônimo disse...

Esse argumento de que os usuários, quem quer, vão financiar o tráfico, quem oferece, já foi usado, de forma pouco eficiente, em campanhas anti-drogas. Quando usam a culpa, usam a pior estratégia. Tudo bem, mas quem é mais culpado, o usuário que por razões sistêmicas, usa a droga, ou o estado, a política e a sociedade moralista, que teimam em não legalizar o uso de drogas?