sábado, 3 de novembro de 2007

Do dicionário do demônio

O Josias de Souza colocou em seu blog um dicionário de várias expressões que caracterizam a política brasileira nesses tempos malucos.

Esse tipo de dicionário, divertido e revelador, é um gênero antigo, embora esporádico, no jornalismo. O jornalista americano Ambrose Bierce (1842-1914?) é o autor do mais famoso desses dicionários, o "Dicionário do Demônio", escrito entre 1881 e 1906. Nele, constam definições como estas:

    ADMIRAÇÃO, n. Nosso polido reconhecimento da semelhança de alguém com nós mesmos.

    AUSENTE, adj. Indivíduo peculiarmente exposto aos dentes da detração; vilificado; inevitavelmente errado; substituído na consideração e afeição de outro.

    BACO, n. Divindade conveniente inventada pelos antigos como desculpa para encher a cara.

    BANDEIRA, n. Trapo colorido carregado à frente de tropas e postado sobre fortes e navios. Parece ter a mesma serventia de certas placas que se vê em terrenos baldios de Londres - 'Podem atirar o lixo aqui'.

    BATALHA, n. Método de desatar com os dentes um nó político que não dá pra desfazer com a língua.

    CÉREBRO, n. Aparato com o qual pensamos o que pensamos. Distingue o homem que se contenta em ser alguma coisa do homem que deseja fazer alguma coisa. (...) Em nossa civilização, e sob nossa forma republicana de governo, o cérebro é tão altamente honrado que é recompensado com a isenção dos cuidados do mandato.

    CONSERVADOR, n. Um estadista enamorado dos males existentes. Distingue-se do liberal, que pretende substituir esses males por outros.

    CONSOLAÇÃO, n. O conhecimento de que um homem melhor é mais infeliz do que você próprio.

    CRISTÃO, n. Alguém que acredita que o Novo Testamento é um livro divinamente inspirado que é admiravelmente adequado às necessidades espirituais de seu vizinho. Segue os ensinamentos de Cristo até o ponto em que eles se tornam inconsistentes com uma vida de pecado.

    DIFAMAR, n. Mentir sobre alguém. Falar a verdade sobre alguém.

    EDUCAÇÃO, n. Aquilo que revela ao sábio e esconde do tolo sua falta de compreensão.

    ESCRITURAS, n. Os livros sagrados de nossa santa religião, que se distinguem dos falsos e profanos escritos em que se baseiam todas as outras fés. (ver FÉ)

    FÉ, n. Crença sem evidências no que é dito por alguém que fala sem conhecimento de coisas sem fundamento.

    GUILHOTINA, n. Máquina que faz um francês dar de ombros com boas razões.

    HERESIA, n. Sua irreverência em relação à minha divindade favorita.

    HISTÓRIA, n. Relato geralmente falso de eventos geralmente desimportantes, provocados por mandantes geralmente mal-intencionados e soldados geralmente burros.

    HOMEOPATA, n. Humorista da medicina.

    IDIOTA, n. Membro de uma grande e poderosa tribo cuja influência nos assuntos humanos sempre foi dominante e controladora. A atividade de um Idiota não está confinada a nenhum campo especial do pensamento ou da ação, mas 'permeia e regula o todo'. Ele tem a última palavra em tudo, e sua decisão é inapelável. Define as modas e as opiniões sobre o gosto, dita os limites do discurso e circunscreve a conduta com um limite de tempo.

    IMPUNIDADE, n. Riqueza.

    MÃO, n. Instrumento singular usado no final do braço humano e geralmente enfiado no bolso de alguém.

    TINTA, n. Maligno composto de tanogalato de ferro, goma arábica e água, principalmente usado para espalhar a infecção da idiotia e promover crimes intelectuais. As propriedades da tinta são peculiares e contraditórias: pode ser usada para fazer e desfazer reputações; para denegrir e para esclarecer; mas ela é mais geralmente e aceitavelmente empregada como cimento para unir as pedras de um edifício de fama, e como cal para esconder depois a má qualidade do material.

    VOTO, n. Instrumento e símbolo de um homem livre para se fazer de bobo e destruir seu país.

A tradução desses verbetes é minha, e já tem uns quatro anos. Eventuais incompreensões são todas por culpa da minha versão mais jovem. Esses meninos, vou te contar...

SERVIÇO: O dicionário tem uma edição em português, editada em 1999 pela Mercado Aberto. Caso você leia em inglês, porém, prefira esta edição da Dover Thrift, que custa pouco mais de R$ 6 - ou pouco menos de um quinto do preço da nacional. E, convenhamos, o original é sempre melhor.

Sobre a diferença brutal dos preços entre livros em inglês e livros em português no Brasil, leia mais neste post.

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