Estou em Malmö, no sul da Suécia, pesquisando a vida da avó da minha avó. E há poucos minutos tomei um café na casa dos irmãos dela.
Por conta de um gênio protestante chamado Anders Chydenius, a Suécia foi o primeiro país do mundo a ter uma lei que garantia a qualquer um o direito de acessar documentos públicos, sem precisar pagar nada por isso. A lei é de 1766, e com uma só penada garantia o direito de acesso a informações públicas, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
O objetivo era que qualquer um pudesse usar a informação pública para fiscalizar o governo. Mas não só: uma boa lei de acesso – que dois séculos e meio depois o Brasil ainda não tem, lembre-se – permitiu que eu encontrasse o endereço onde o embarcador de madeira Axel Ohlsson vivia, vizinho de seu irmão, o peão diarista Nils Ohlsson, em 1909. O pai deles, Olaf, havia morrido em 1907, e Axel ficou responsável por seu inventário (sterbhus).
Em junho daquele ano, os dois receberam a visita de sua irmã, Carolina, que morava lá longe, no sul do Brasil. Ela tinha ido para lá em 1891, quando era uma criada de 17 anos, aparentemente fugindo junto com o moeiro Erland Ekman, com quem casou ou amancebou-se no Brasil. Não sei se era a primeira vez que ela voltava para ver a família. Mas, como a viagem de navio era longa e insalubre, deu o azarão de a irmã pegar meningite tuberculosa no navio.
Carolina, avó da minha avó de mesmo nome, foi internada no Hospital Geral de Malmö, num prédio que hoje abriga a administração do gigantesco hospital, em 16 de junho. Em 8 de julho, ela ainda mandou um cartão postal para seu filho, Albino (na verdade, Carl Axeli, mas era mais fácil pra gauchada dizer Albino):
- Meu querido Albino, como vais? Estais muito aboricido por falta da mamai ou quem sabe que vai melhor assim? Agora não demora mais muito tempo até nós chega. Das lembranças para todos e seja bem bonzinho para papai. Muitos beijos e abraços da tua mamãe.
Em 20 de agosto, Carolina teve alta do hospital. Mas, como naquele tempo uma mistura de meningite com tuberculose era mais ou menos o mesmo que uma mistura de aids com câncer em metástase, ela durou pouco depois disso. Morreu em 1º de setembro, e foi enterrada ao lado do pai. Amanhã de manhã vou confirmar se foi no cemitério aqui pertinho – e se eles ainda estão lá.
O endereço dos Ohlssons estava num livro publicado anualmente na cidade, contando quem era o responsável por cada casa, qual era sua profissão e qual era o valor tributável do imóvel. Ao olhar ali, os bibliotecários tiveram uma surpresa: ficava numa quadra onde até 1997 funcionava um anexo da biblioteca municipal de Malmö.
Por acaso, isso fica a duas quadras do hostel onde estou hospedado, numa simpática rua comercial por onde passei umas dez vezes desde ontem. Tem uma obra bem na esquina em frente ao endereço, então eu não tive como não olhar para lá várias vezes. Mas a casa, porém, foi demolida – ao contrário de outras da viznhança. No lugar dela, existe um shopping center. De frente para a rua, uma loja da rede de cafeterias Espresso House.
Assim, pude tomar um café na casa dos meus antepassados, um século depois do registro do endereço deles no livro da cidade.
Tack, herr Chydenius.
Um comentário:
Sensacional!!!
Jornalismo investigativo da melhor qualidade
bjs
angel
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