Assisti neste sábado a um filme muito interessante: "Rebobine, Por Favor". É uma comédia inteligente do diretor Michel Gondry, o mesmo de "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças". Mas vai ser difícil assistir, visto que só chegou uma cópia ao Brasil. Se vir na programação, corra para assistir. Enquanto isso, veja o canal deles no YouTube.
Se você acompanha o que se produz e distribui na internet, e o debate sobre isso, o filme é um prato cheio de sementes de idéias. Pena que o debate com o diretor, no Museu da Imagem e Som, estivesse tão cheio de estudantes tietes pedindo autógrafo e querendo que ele fizesse no palco a lição de casa deles. Podia ter sido bem produtivo. (Enchi o saco meio rápido e saí pra tomar um cafezinho.)
A história gira em torno de uma locadora de filmes dos anos 80 em VHS numa cidade pobre de New Jersey. Essa locadora fica numa casa condenada, onde o dono da lojinha (Danny Glover) diz ter nascido um grande pianista de jazz. Ameaçado de fechar, ele inventa umas férias e deixa seu filho (Mos Def) cuidando da loja. Ocorre que o filho tem um amigo completamente desastrado (Jack Black), que ganha temporariamente poderes magnéticos e simplesmente apaga todas as fitas da locadora.
Para ter o que entregar aos clientes sem dar na vista, eles começam a fazer suas próprias refilmagens amadoras dos filmes pedidos. Ficam assim:
As refilmagens ("suecadas", na definição do personagem de Jack Black) fazem sucesso e atraem multidões, que também passam a participar dos seus filmes. Isso gera conflitos com quem administra o copyright, que busca cobrar indenização dos autores das fitas "suecadas" por conta da propriedade dos filmes originais.
Se você já tentou acessar um vídeo no YouTube que havia sido tirado do ar por conflito de direitos autorais, percebe que é a mesma coisa em versão analógica. Hoje mesmo, no Valor Econômico, há uma notícia interessante a respeito: nos últimos 18 meses, uma associação que defende os direitos dos estúdios de cinema conseguiu na Justiça 268 sentenças contra piratas de DVDs. A polícia é acionada sempre que um pirata é identificado.
Há dez anos, sites de fãs de personagens de quadrinhos nos EUA costumavam ser acionados pelos detentores dos direitos - que buscavam retirar do ar as ilustrações utilizadas. E, se eu fizer meu próprio filme do Batman, ou uma versão editada do que bateu recordes de bilheteria, estou infringindo os direitos autorais da Warner ou alimentando a fama do personagem? As fitas "suecadas", que não eram exatamente copiadas de versões originais, seriam pirataria ou uma outra coisa?
Os contornos do direito autoral estão bastante borrados. Eu ainda tenho o costume de comprar CDs, mesmo sabendo o quanto é fácil baixar música da internet. Mas eu os ouço mais num aparelho de MP3 que carrego no bolso do que no CD player da sala. Para isso é preciso converter no computador, e o iTunes permite. Não há objeções a isso. Mas se eu copio um dos meus CDs raros do Deep Purple para presentear meu amigo Abdalla, que canta em homenagem aos mestres, estou violando os direitos autorais deles? E se eu faço um podcast sobre o Deep Purple contando a história de como evoluiu uma das músicas deles, usando vários trechos de diversas faixas, estou violando direitos autorais? E se eu pego meu violão e gravo uma versão de "Smoke on the Water" em ritmo de bossa nova, estou violando direitos autorais ou criando? (Ian Gillan talvez ache que não; mandei o arquivo para ele há alguns anos e ele respondeu: "Groovy!")
Mas, ao mesmo tempo, em seu "Ilícito", Moisés Naím conta como os terroristas que fizeram os ataques de 11 de março na Espanha usaram a venda de DVDs piratas para financiar seu negócio. Não era troca de arquivos, e sim venda em escala. O crime é o lucro, então? Não, acho que não. Mas a questão econômica aí é crucial.
Cada vez mais, a tecnologia facilita e barateia a cópia - e o preço é o principal motivo pelo qual alguém compra ou troca cópias extra-oficiais filmes ou músicas. Eu adoraria presentear o Abdalla com o DVD original de "Highway Star", o documentário que comemora os 40 anos de carreira do Ian Gillan. Pelo meu original, porém, eu paguei 20 libras em Londres. Eu simplesmente não tinha grana pra comprar duas cópias. Mais fácil comprar o meu e copiar pro amigo.
Em outubro, o advogado americano Lawrence Lessig deu uma entrevista interessante ao Marco Aurélio Canônico, da Folha Online. Em seu livro "Remix", Lessig fala na criação de uma cultura em que a audiência passa a ser também criadora, reciclando as idéias de seu consumo cultural. Porque hoje ela dispõe de ferramentas para isso, assim como o personagem do Jack Black tinha uma câmera VCR pra fazer as cópias "suecadas". Segundo Lessig, o principal foco de sua discordância com o cabeça da MPAA é o que fazer com os adolescentes que já começam a ouvir música baixando da internet. O general do copyright acha que uma geração inteira está fora da lei. Lessig acha que não vale a pena criminalizar uma geração inteira. "Os EUA têm tantos problemas maiores que não acho que o próximo presidente vá ter tempo para tratar de direitos autorais", diz ele.
Essa declaração vai mais ou menos na linha do que o Moisés Naím disse em 2007 num debate no Conselho de Relações Exteriores, uma ONG dos EUA. Alguém perguntou sobre a pirataria. Ele disse que, com a explosão das atividades ilícitas por conta das facilidades da tecnologia, do transporte e das finanças criadas nos últimos anos, o único jeito de combater eficientemente o crime organizado seria escolher bem as lutas em que entrar. Até porque os recursos são escassos. Apreender DVD pirata, por exemplo, é um tipo de ação visualmente forte com aqueles rolos compressores passando por cima (uma imagem que tem no filme também), mas é muito menos crucial do que atacar o tráfico de crianças. Para Naím, as próprias empresas interessadas precisam buscar formas de coibir isso por meio de tecnologia, deixando a polícia livre para fazer coisas mais importantes. Isso exigiria uma mudança no modelo de negócio para proteger o copyright - no que, como se vê, ele discorda de Lessig:
- That companies that are operating in areas that are vulnerable to counterfeit and that is now, as you said, almost all will have to think this through and change their business model. And as they say, moving from hoping for the perfection of governments and patents and lawyers to finding ways, tools, technologies that protect them.
I was fascinated one -- one of the good examples I got was from the movie industry. They are, for example, moving to a new model in which the DVDs that the movies that we now watch at home are going to be a commodity which they have no hope of containing. And they're developing different technologies to change the experience of watching a movie that you can only get at their theatres under their circumstances. And one of the ways in which they are changing is that there will not be a physical product with the movie. There is going to be beamed through very encrypted and very complicated ways from certain centers to movie houses that are going to then project what they call 'project an experience,' which is not only a movie but is a, you know, the whole experience. You would go there because it's the only way of getting something that you cannot get at home by playing your DVDs, and there are plenty of examples of initiatives the industries is taking to protect themselves.
Pessoalmente, e nesse ponto o filme também toca, há uma coisa que me incomoda um pouco no YouTube e correlatos. Acho que há um excesso de material já disponível comercialmente e uma escassez de material produzido criativamente e caprichado. Essa oferta vem crescendo, mas a maior parte dela está ainda "suecada", referenciando material comercial. Há um potencial grande para distribuir coisas novas ali - e acho que o melhor exemplo é aquele grupo de estudantes de cinema austríacos que começaram chamando atenção para si mesmos forjando uma campanha eleitoral.
Gondry, porém, não ousa ir muito longe na defesa das idéias de seus personagens. Ele defende que a audiência faça seus próprios filmes, ainda que imperfeitos. Mas, ao saber que seus filmes não são distribuídos comercialmente no Brasil sequer em DVD, não defendeu que a platéia os baixasse da internet. (OK, ele não é bobo: a incompetente-porém-fashion tradutora do debate era do departamento de marketing da distribuidora do filme no Brasil.)
- SERVIÇO: O site AlwaysWatching.com pôs no ar os 10 melhores filmes suecados pelos fãs de "Rebobine, Por Favor".
O Museu da Imagem e Som, em São Paulo, vai manter até janeiro a exposição sobre o filme, onde você mesmo pode fazer seu próprio suecado se chegar a tempo de participar de uma oficina.
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