quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O macaco, o rabo e o coronel

Brasília é um ovo mesmo, mas a história da Satiagraha está cada dia mais fabulosa que os vaivéns da novela "A Favorita". Com a diferença de que os roteiristas da novela dão mais pistas para o espectador sobre como as peças soltas do quebra-cabeças se encaixam.

Agora, depois de o juiz Fausto De Sanctis publicar em sua sentença a informação de que um assessor exonerado da segurança do STF conversava com o advogado de Daniel Dantas acusado de oferecer propina a policiais na operação Satiagraha, o ministro Gilmar Mendes mandou apurar.

Isto vem da sentença:

    "Hugo Chiaroni, que se apresentava como integrante do Instituto Sagres - Política e Gestão Estratégica Aplicadas, segundo ele próprio e os delegados Protógenes Queiroz, Marcos Antônio Lino Ribeiro e Ricardo Saadi, ligou para Sérgio de Souza Cirillo, especialista em guerra eletrônica, com experiência profissional na área de inteligência e contra-inteligência, oficial do Exército e que provavelmente se conheciam porque este também é vinculado ao referido instituto, nove vezes, no período de 4/6/2008 a 7/7/2008"

Então, como o ministro quer apurar, vou dar minha modesta contribuição ao trabalho de quem for investigar. Todos os dados abaixo estão com as fontes linkadas. (Não há de quê, ministro.) Eu mesmo continuo sem entender o caso, porque o quebra-cabeças é encalacrado e quem tem as informações nunca ajuda.

Da matéria de hoje do O Globo:

    [Sérgio de Souza] Cirillo foi o principal assessor da Secretaria de Segurança do STF entre agosto e outubro deste ano. Ele foi contratado para trabalhar no STF um mês depois do lançamento da Satiagraha e demitido no início de outubro. Para Cirillo, não há nenhum vínculo entre a demissão e os desdobramentos da Satiagraha. Ele teria se afastado porque a Secretaria de Segurança, então chefiada pelo coronel Joaquim Gabriel Alonso, entrou em choque com Gilmar Mendes. A secretaria teria vetado o embarque do filho de um dos ministros do STF pela sala vip da instituição no aeroporto.

    (...) Convencido de que a segurança do STF estava mal estruturada, Gilmar resolveu trocar a chefia do setor em abril deste ano. Ministros do tribunal, inclusive o presidente, haviam sido assaltados. Para recrutar o novo pessoal, Gilmar consultou o general Alberto Cardoso, que foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo de Fernando Henrique Cardoso. O general recomendou os serviços do coronel Joaquim Gabriel Alonso Gonçalvez, que foi imediatamente contratado para montar a Secretaria de Segurança do STF.

    Alonso, por sua vez, convidou o coronel Cirillo para ser seu principal assessor e substituto imediato. De acordo com a sentença de De Sanctis, Hugo Chicaroni, braço direito de Dantas, telefonou para Cirillo nove vezes entre 4 junho e 7 julho deste ano. No dia seguinte, foi deflagrada a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que prendeu Dantas e outras pessoas - Chicaroni, inclusive. Cirillo foi contratado pelo STF no dia 30 de julho. Segundo a assessoria de imprensa do STF, Gilmar não conhecia previamente nem Alonso, nem Cirillo.

Todos os jornais consultaram a assessoria de imprensa do STF. O Jornal do Brasil, por exemplo:

    Tanto Sérgio Cirillo como seu superior, coronel Joaquim Gabriel Alonso Gonçalves, foram exonerados de seus cargos em outubro por motivos "administrativos", conforme a Secretaria de Comunicação Social do tribunal. Apurou-se que a demissão teve como causa um "entrevero" entre eles e os responsáveis pela segurança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro, quando eram tomadas providências de rotina referentes à segurança do presidente, que iria ao STF para a inauguração da exposição sobre os 200 anos da Corte.

Caso o JB tivesse pesquisado seus arquivos antes de ligar para a assessoria do STF, teria encontrado nota do Informe JB, de 7 de outubro, que dizia:

    O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, perdeu a paciência com a novela sobre a escuta da qual foi alvo e fez as primeiras vítimas.Exonerou ontem Joaquim Gabriel Alonso Gonçalves,secretário de segurança do tribunal, e o assessor Sérgio de Souza Cirillo.

Essa nota saiu no auge da crise dos grampos, quando o ministro Gilmar Mendes falava em criminalizar servidores que vazam. Ele se referia obliquamente à polêmica sobre o grampo por escrito publicado pela revista Veja.

Embora, segundo a decisão do juiz Fausto De Sanctis, já trabalhasse dentro do STF desde junho (podendo estar lá em 10 de julho, dia da varredura noticiada pela revista), Cirillo foi formalmente contratado dias antes da publicação da matéria da Veja. O período de sua meteórica passagem pelo STF coincide exatamente com a duração da crise do grampo. Não tenho como saber se uma coisa está necessariamente relacionada à outra. Mas é curioso, de qualquer forma.

Uma semana depois da nota sobre a exoneração dos servidores, o servidor da Presidência do STF Aílton de Carvalho Queiroz sugeriu na CPI do Grampo que foi a Presidência do excelso sodalício quem vazou o documento para a Veja. (Caso tenha interesse, baixe aqui a íntegra do depoimento de Queiroz.)

Depois dali, meio que esfriou o caso do vazamento dos grampos.

Quando foi feita a varredura que detectou o grampo, pelo que entendi do noticiário de hoje, Cirillo já era funcionário da secretaria de segurança do STF. Só ainda não tinha sido contratado. Seria mais adiante no mesmo mês, dias antes de sair a matéria da Veja - dias antes, também, de o ministro Gilmar Mendes afirmar que "O vazamento hoje não é a exceção, mas a regra". Na íntegra de seu depoimento à CPI, Queiroz diz que a Veja manteve só a assinatura dele, omitindo as demais. Elas não foram publicadas. Estou curioso para saber se a de Cirillo era uma delas.

Uma coisa curiosa: o nome de Cirillo não foi mencionado nenhuma vez no depoimento de Queiroz à CPI. Mas, a julgar pelas perguntas feitas sobre quem são os funcionários da segurança do STF, certamente seria mencionado caso ele ainda fosse servidor do STF.

Para os anais da seção "Sirvam Nossas Façanhas": Cirillo foi aluno do Colégio Militar de Porto Alegre da turma de 1970/1971, no tempo em que a dita era mais dura. Há alguns anos, é dono de um tênis clube em Brasília.

Nenhum comentário: