Sete anos atrás, eu costumava fazer algumas reportagens sobre a segurança da urna eletrônica para a Folha de S.Paulo. A primeira constatação que fiz foi a seguinte: para cobrir segurança da urna, não adianta falar com os juízes. Precisa ir atrás da parte técnica. Porque o juiz entende da lei, e a lei diz que a urna tem que ser irrepreensivelmente confiável. Nesse caso, eu prefiro falar com os escovadores de bits dentro e fora do TSE, porque é uma questão técnica - muito embora seja usada para fins jurídicos.
Ontem, nos EUA, a empresa Diebold admitiu falhas no sistema das urnas eletrônicas que fabrica. Segundo a empresa, o software que transmite os votos para serem totalizados numa central tem um erro crítico de programação que pode fazer com que alguns votos sejam deixados pelo caminho.
Tal grau de sinceridade veio depois de dez anos atacando quem quer que questionasse a segurança de seus produtos.
Você pode dizer que essa é apenas a urna eletrônica americana, no país do sistema eleitoral mais confuso do mundo. Mas a Diebold, por meio de sua filial Diebold Procomp, foi quem desenvolveu a urna brasileira. No Brasil, todas as manifestações que você lê - geralmente da parte de juízes eleitorais - são no sentido de que a urna é "completamente segura".
Esta é a cobertura brasileira:
URNA ELETRÔNICA É 100% SEGURA, REAFIRMA TSE (G1, 26.out.2006)
Presidente do TSE diz que urna eletrônica é segura (Folha, 18.ago.2008)
Urna e voto são "indevassáveis", diz presidente do TSE (Folha, 26.ago.2008)
Ayres Britto diz que urna eletrônica coloca o Brasil em posição de vanguarda (Agência Brasil, 26.out.2008)
Urna eletrônica "pacifica os ânimos", diz ministro do TSE (26.out.2008)
Ayres Britto fez pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV. Ele também destacou a segurança da urna eletrônica. (G1, 25.out.2008)
Esta é a cobertura americana:
Can you count on voting machines? (New York Times, 6.jan.2008)
Michigan Clerk Sees Problems With Electronic Voting Machines (ProPublica, 5.nov.2008)
A Hint of Florida 2000 (or Ohio 2004) in Ohio 2008? (ProPublica, 5.nov.2008)
Kansas City Glitch Causes Voter List to Disappear (Washington Post, 5.nov.2008)
A diferença entre o "é verdade, tem falhas" de lá e o "completamente segura" daqui está basicamente na forma como o assunto é coberto. Aqui, o pessoal se contenta em transcrever a manifestação oficial de um alto magistrado eleitoral. Nos EUA, o povo vai atrás dos nerds desconfiados e faz reportagem.
- LEIA MAIS: Três poderes em um (6.out.2008)
Acuma? (Ou: de olho na aspa. Ou: Pangloss e o zepelim) (6.out.2008)
Voto eletrônico dando pau (26.fev.2008)
Voto eletrônico nos EUA e aqui (5.jan.2008)
O voto eletrônico de papel (4.jan.2008)
Um comentário:
"Aqui, o pessoal se contenta em transcrever a manifestação oficial de um alto magistrado eleitoral. Nos EUA, o povo vai atrás dos nerds desconfiados e faz reportagem."
Resumo da ópera...
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