quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os efeitos da equação

Ontem, em São Paulo, o G1 deu uma notícia bombástica: PM diz que criança é mantida refém pelo pai na Zona Sul de SP. Isso às 2 da manhã. A polícia e a imprensa haviam sido chamadas pela mãe, dizendo que o ex-marido havia tomado a criança como refém - e que estava armado.

Duas horas depois, às 4 da manhã, mudou completamente a versão: Mãe disse que filha era refém em SP para retomar guarda de criança, diz PM. O caso então ficou assim:

    A Polícia Militar (PM) informou que o caso de uma criança que seria mantida refém pelo próprio pai na Zona Sul de São Paulo, desde as 22 horas de quarta-feira (29), não passou de uma estratégia da mãe para tentar retomar a guarda da filha de 5 anos. No início da ocorrência, a PM tratou o caso como cárcere privado grave, e utilizou quatro equipes para ir ao local do suposto crime, totalizando a mobilização de pelo menos oito soldados.

    Segundo a PM, a própria mãe da criança chamou a polícia com quatro chamados consecutivos ao 190. Ela teria dito que o pai estava armado. A mulher também teria chamado a imprensa ao local, dando uma dimensão de seqüestro ao caso.

    Já no local, as equipes da PM constataram que a criança estava numa festa de aniversário em um bufê na região do Shopping Morumbi, na companhia do pai. A polícia apurou que ele não estava armado e não teria tomado a criança refém, conforme acusou a mãe. Ao menos dois soldados chegaram a revistar o rapaz e o estabelecimento à procura de uma suposta arma. Nada foi encontrado.

    Na seqüência, a mãe apresentou aos policiais um documento de busca e apreensão da criança. A informação foi contestada pelo pai, que segundo a apuração da PM, detém a guarda da criança. Ele ainda apresentaria a documentação.

Ou seja: era um trote de uma mulher que tentou usar o espetáculo a favor de seu lado em mais um drama familiar como tantos outros. Certamente triste. Mas há alguma dúvida de que isso é inspirado na moda gerada pelo espetáculo de Santo André?

Mais ainda: o caso todo saiu de madrugada no G1. Não havia nada confirmado quando a primeira notícia saiu. Duas horas depois, precisou haver a retratação.

A notícia sobre a briga pela guarda da criança saiu no Folha Online no feed de Cotidiano, com o texto atualizado depois que a situação se esclareceu. Assim: Briga por guarda de criança acaba em caso de polícia em SP. O leitor que só foi ler a respeito de manhã pegou apenas a versão completa. Ponto pra Folha Online - mas ainda assim o leitor que foi dormir depois de ler a primeira versão, sem o desfecho, levou pra cama a informação distorcida pelo interesse da mãe da criança.

O "G1 - Notícias" é o feed de maior volume de notícias entre os que eu recebo. Segundo as estatísticas do Google Reader, ele manda em média 252,2 textos diários. Faz tempo que desassinei o "G1 - Plantão", porque ele é ainda mais nervoso. Em apenas um minuto de hoje, às 10:34 da manhã, ele atualizou quatro notícias. Em 10 minutos, foram 12 notícias, incluindo as imperdíveis "Vaticano fecha portas do sacerdócio para homossexuais, mesmo os castos" e "Cadeira voadora fica acima das preocupações em feira de Londres".

Eu não assino feeds de portais exclusivamente de internet, como o Terra, porque senão ficaria louco. Não sei qual é a média, porque não assino, mas a lista de notícias é uma avalanche. E boa parte delas é chupada de outros meios de comunicação: BBC, JB, agências. Pessoalmente, prefiro sempre o original. Estamos na internet, enfim, e tudo está igualmente à mão.

Para fins de comparação, o feed "Folha Online - Brasil" envia uma média de 76,4 textos diários. "Folha Online - Cotidiano" envia uma média de 50 textos diários. Para mim, está de ótimo tamanho. E olha que eles também reproduzem material da BBC e da Agência Brasil, por exemplo.

Se não fosse a urgência de publicar dezenas e dezenas de textos de tantos em tantos minutos durante a madrugada, se o repórter pudesse se "dar ao luxo" de esperar até a polícia chegar ao local para publicar (quem tem urgência em ler notícias às 2 da manhã, afinal?), era um mico a menos da parte do G1. E não insuflava a sede de espetáculo da mãe da criança, certamente influenciada pela moda de Santo André.

A ânsia de ser o primeiro a dar as últimas, igualando qualidade a quantidade e publicando antes de confirmar, coloca os portais facilmente à mão de qualquer interesse - especialmente os espetaculosos, mas não só.

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